Startups de compartilhamento de roupas ganham espaço no Brasil e pregam a sustentabilidade e o uso consciente da moda
O Airbnb popularizou a residência compartilhada; os aplicativos de transporte, como Uber e Yellow, o transporte compartilhado; o Spotify, a música; a Netflix, os filmes e séries. Agora startups de moda querem popularizar o compartilhamento de roupas e acessórios. A proposta? Moda sustentável e acessível por meio de assinaturas mensais ou alugueis pontuais.
Poucos sabem, mas a indústria de moda, além de ser uma das maiores e mais valiosas do mundo, também é uma das mais poluentes. Segundo dados da Fashion United, plataforma que fornece um panorama global da indústria de moda, esse negócio vale 3 trilhões de dólares. Somente no Brasil, em 2017, o setor de vestuários produziu 5,9 bilhões de peças, incluindo vestuário, meias, acessórios, cama, mesa e banho, com um faturamento de 45 bilhões de dólares, o equivalente a 170 bilhões de reais, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). No mesmo ano, o setor ficou em segundo lugar no ranking de maior empregador da indústria da transformação, perdendo apenas para alimentos e bebidas juntos.
Por outro lado, a moda é uma das indústrias mais poluidoras do mundo. Cerca de 35% das microfibras jogadas nos oceanos são provenientes de roupas e têxteis. As etapas de processamento dos vestuários emitem 20% do carbono na atmosfera, quantidade considerada acima do ideal, segundo um relatório da Global Fashion Agenda. Outro estudo, feito pela Global Fashion Agenda em 2017 mostrou que apenas 20% dos 62 milhões de toneladas de roupas e calçados produzidos no mundo todo são reciclados adequadamente ao final do uso.
Esses dados trazem uma grande preocupação em relação à sustentabilidade dessa indústria, principalmente em um mundo dominado por redes de fast fashion cujas peças custam pouco, mas também, têm pouca durabilidade: 50% das peças produzidas por essas empresas são descartadas em um ano. Sem contar os milhares de escândalos envolvendo trabalho análogo à escravidão na produção de peças de vestuário para diversas marcas. As roupas de luxo, embora menos descartáveis, carregam os mesmos problemas de sustentabilidade e as peças custam mais, o que as deixa fora do alcance da maior parte da população.
Moda sustentável e acessível
Com o intuito de tornar o consumo de moda mais sustentável e acessível, diversas startups de compartilhamento e aluguel de roupas estão surgindo. A Clorent, um market place virtual (local que reúne “vendedores” e “compradores”) que em breve ganhará uma loja física e um plano de assinaturas, é uma das mais recentes a entrar nesse mercado que começa a ser explorado no Brasil. De acordo com suas fundadoras, as estudantes de administração Eduarda Ferraz e Ana Teresa Saad, a ideia surgiu como um trabalho da disciplina de empreendedorismo do curso da Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde estudam. Mas elas gostaram que o projeto se tornou um negócio de verdade.
“Vimos que muitas alunas trocavam peças entre si para festas da faculdade ou eventos de final de semana e pensamos, por que não criar uma plataforma para facilitar essas trocas?”, conta Eduarda Ferraz, de 22 anos, e uma das fundadoras da marca.
O modelo de negócios foi inspirado na americana Rent the Runway, que começou em 2009 como um serviço on-line em que os usuários podiam alugar itens de sofisticados por uma fração do preço de varejo, geralmente para um evento especial. Hoje, a plataforma conta com 9 milhões de membros e já trabalha com um modelo mensal de assinaturas, incluindo um plano ilimitado no valor de 159 dólares por mês (cerca de 600 reais).
Como a “concorrente” americana, a Clorent surgiu como um market place abastecido pelas próprias fundadoras. Em seguida, elas abriram espaço para que qualquer pessoa que tenha interesse em compartilhar suas roupas a partir de um aluguel diário possa fazê-lo. Hoje, a plataforma reúne cerca de 1500 peças entre roupas, sapatos e bolsas, que podem ser alugadas por qualquer pessoa que fizer o cadastro no site. O valor varia de acordo com a peça escolhida.
“O Clorent vem com a ideia de consumir moda de uma maneira ecologicamente e economicamente consciente. A intenção é ter peças interessantes para todas as ocasiões, desde uma festa no final de semana, até uma reunião de trabalho ou um baile de formatura”, explica Ana Teresa Saad, também de 22 anos e sócia da marca.
Na segunda quinzena de outubro será inaugurada a primeira loja física, em conjunto com o lançamento de três tipos de planos de assinaturas. Neste caso, as peças são exclusivas da Clorent e do acervo pessoal das fundadoras e ficarão disponíveis apenas para sócios. O local, além de escritório, poderá ser usado por clientes que desejam provar, ver ou retirar as peças pessoalmente. Mas todo o acervo estará disponível on-line e poderá ser entregue em qualquer lugar desejado pela cliente. Os itens cadastrados por terceiros, continuarão disponíveis on-line e poderão ser alugados por usuárias cadastrados.
Economia do futuro
De acordo com pesquisa da Westfield, no Reino Unido, o valor potencial do mercado de aluguel de roupas no é de cerca de 923 milhões de libras. Especialistas acreditam que essa é uma mudança cultural, econômica e tecnológica, motivada pelos Millennials. Essa geração, composta por pessoas que nasceram entre o início da década de 1980 e a metade de década de 1990, é adepta ao sistema de “pay as you go” ou, pague quando usar. Eles querem ter acesso as coisas, alugando, em vez de possuir e a economia compartilhada é a melhor forma de alcançar esse objetivo.
Além disso, há também um aspecto de bem-estar, conscientização e diversidade muito importante para essa geração. A economia compartilhada ajuda no aspecto sustentável ao coibir o consumo exagerado de itens fast fashion, ao mesmo tempo em que reduz a poluição gerada por essa indústria. Além disso, permite que os usuários tenham uma enorme flexibilidade em seus guarda-roupas, a um custo baixo.
Nem tudo são flores
Porém, nem tudo são flores. As peças são lavadas após cada uso, o que pode aumentar o impacto ambiental no que diz respeito a produtos e uso de água. Além disso, muitas pessoas têm receio de colocar itens caros para alugar, com medo dos danos. É claro que esse risco existe, mas Eduarda e Ana Teresa garantem que ele é mínimo. “A dona da peça também prevê um valor que deverá ser pago por quem alugou em caso de danos e esse valor está descrito no aluguel”, ressalta Eduarda. Essa é uma forma de proteger os dois lados.
Peças com história
Cada negócio tem uma proposta. A Rent the Runway oferece principalmente roupas de marca, por exemplo. No Brasil, a maioria das lojas de aluguel compartilhado é focada em roupas e acessórios de festa ou de gala e outras estilos específicos. O foco da Clorent são roupas quem tenham uma história. “A maior parte do nosso acervo veio de peças pessoais, que têm um significado para nós, ou de brechós famosos em NY”, conta Ana Teresa. Uma das peças que as jovens mais se orgulham é uma parca oficial da marinha americana, usada na Segunda Guerra Mundial, com detalhes em tecido original gatsby.
“Nosso objetivo é mudar a cultura do consumo e do compartilhamento no Brasil. Queremos que as pessoas tenham armários cápsula (poucas peças, diferenciadas) e possam compartilhar essas peças entre si. Mas que sejam itens bons, que têm uma história por trás e que, justamente por isso ela não quer se desfazer.”, diz Eduarda.
Guarda-roupas compartilhados
Embora seja algo recente, nos últimos anos, diversos negócios decidiram investir no compartilhamento de roupas. A Blimo – Biblioteca de Moda, tem uma unidade instalada na Vila Madalena, em São Paulo e outra em Santos e trabalha com o serviço de assinatura mensal. A Roupateca, localizada em Pinheiros, também na capital paulista, oferece o mesmo serviço.
Já a My Open Closet foca em roupas e acessórios de festa e gala. Mesma proposta da Armário Compartilhado, de Belo Horizonte.
Quem mora em Brasília (DF) pode contar com a Shop’n Share e com a Deux Bags, especializada no aluguel de bolsas. Em Curitiba (Paraná), tem a Use, que trabalha com assinaturas.