Descoberta quando fazia compras em um mercado na Bahia, Josana Santos desponta no mundo fashion, para o qual reivindica maior presença de afrodescendentes
“Você quer ser modelo?”, perguntou a estranha à adolescente Josana Santos, então com 17 anos, entre sacos de arroz e de feijão empilhados nas prateleiras de um modestíssimo mercado do município de Salinas da Margarida, no sul do Recôncavo Baiano. “Na hora, achei que a mulher fosse louca”, lembra-se Josana. É compreensível. Sua realidade até ali não poderia prever outra reação. Pela manhã, Josana ia às aulas — estava no ensino médio — e à tarde dedicava-se aos serviços domésticos (vivia com a mãe e dois irmãos em uma casa de quatro cômodos; o pai, ajudante-geral, já tinha outro relacionamento). Nos fins de semana, a jovem colocava um boné para se proteger do sol abrasador, segurava um balde e uma colher de pedreiro e se punha a caminhar por quilômetros até chegar às areias de Encarnação de Salinas, comunidade pesqueira de 15 000 habitantes ao norte de Itaparica. Sua missão: catar mariscos com a mãe e depois limpar os moluscos. O trabalho rendia, e ainda rende, à matriarca da família 10 reais por dia. Alguma dúvida do que poderia passar pela cabeça de Josana no momento em que a tal mulher surgiu na sua frente?
A má impressão começou a se desfazer quando, algumas semanas mais tarde, bateu à sua porta o olheiro Vivaldo Marques, da agência Mega. “Já vi centenas de meninas lindas, mesmo assim fiquei impactado quando deparei com o porte e a beleza natural e saudável daquela garota. Sabia que ela tinha tudo para estourar”, diz Marques. Estava certo. Com 1,78 metro, esguia, olhos puxados, Josana explodiu — e seu passe já está sendo cobiçado por agências internacionais.
Passado o susto inicial, a jovem fez um acordo: terminaria o ensino médio enquanto frequentava cursos de modelo. Em 2019, a agência considerou que Josana estava pronta, e a novata se mudou para São Paulo (na primeira vez em que entrou num avião). Na capital paulista, foi logo escalada para dois desfiles — pelas grifes Bobstore e Modem Studio. “Quando pisei na passarela e vi fotógrafos e pessoas atentas nas primeiras filas, pensei: ‘Nem eu sabia que era exatamente isso que queria’ ”, recorda. Em seguida, Josana posou para a capa de uma revista de moda vestida de noiva.
Matriculada em um curso de inglês — planeja trocar São Paulo por Nova York ainda em 2020 —, a jovem vê no mercado da moda um caminho para a ascensão social (o que lhe permitirá ajudar a família) e um meio de passar uma mensagem a favor da diversidade. Quando olha para os lados em desfiles, ensaios fotográficos ou testes, Josana percebe que modelos negras continuam sendo minoria. “Nunca sofri preconceito, mas isso não significa que eu não deva batalhar para deixar de ser exceção”, afirma a top baiana.